5.2.10

MARCINHA

[...] O que eu queria falar na nossa primeira reunião era sobre a minha compulsão por comer chocolate, não falei porque ficou sendo apenas o dia da nossa apresentação e eu disse que o meu nome era Marcinha, mas como está todo o mundo abrindo o coração, quer dizer, abrindo um pouco, quero começar dizendo que o meu nome não é Marcinha, esse é um pseudónimo e isso não chega a ser uma falsidade porque eu sempre quis me chamar Marcinha e vocês podem me chamar de Marcinha. Mas eu falava da minha loucura por chocolate. Como chocolate todo o dia e engordo todo o dia, e a coisa que eu mais gostava era ir à praia, e cada ano o Verão é mais forte, mas não tenho coragem, desisto, me sinto humilhada quando vejo meu corpo no espelho, com maiô inteiro que comprei e que nem mesmo as coroas usam mais.
[...] Não vou falar muito mais. Eu não desisto. Tenho sempre barras de chocolate na minha casa, um dia tranquei a despensa e joguei a chave fora, mas algumas horas depois arrombei a porta da despensa e devorei várias barras sem parar, o que acabou desarranjando os meus intestinos. Bem, eu disse que ia falar pouco e vou terminar. Outro dia eu estava em casa, de tarde, vendo televisão, e quando fui pegar um chocolate notei que havia acabado. Saí correndo desesperada para comprar chocolate no supermercado que fica perto da minha casa e quando já estava lá dentro, em frente a uma prateleira cheia de chocolates variados, percebi que não havia levado a bolsa e não tinha um tostão comigo. Me senti tão infeliz que comecei a chorar em frente à prateleira, eu não ia aguentar mais um minuto sem comer um pedaço de chocolate. Então coloquei uma barra pequena no meu seio, o peito grande serviu pelo menos para isso, e saí com a barra escondida e logo que cheguei na rua devorei o chocolate. Mas a minha vontade não passava e eu, e eu, o negócio é abrir o coração, não é?, e eu corri para outro supermercado e fiz a mesma coisa, apanhei duas barras e fugi com elas, e comi as duas na rua e depois fui na padaria e apanhei, agora três barras, escondi no peito e comi logo em seguida na rua. Acho que minha história é a pior de todas. [...]

excerto de "Agora Você",
in "Secreções, Excreções e Desatinos", 2001
RUBEM FONSECA


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