20.8.10
Ainda não foi desta que fiz as pazes com o mês de Agosto e não vou na cantiga das manhãs luminosas, dos dias longos, dos céus estrelados. Estou sempre de pé atrás com o mês de Agosto e já me traiu várias vezes. Ficamos ali a olhar para a natureza na sua magnífica pujança e a engrenagem do mundo sem saber seguir-lhe a sugestão.
15.7.10
6.6.10

© John Vachon
Escrita mínima
O senhor X escreveu no seu caderno, com a sua caneta de aparo reluzente, sobre a economia sem ética, a tal do lucro invisível, do lucro não partilhado, dos desempregados culpados, do estado só de alguns, do estado impossível, da inconstitucionalidade-mas-ás-vezes-por-razões-de-força-maior...
27.5.10
(...) Confesso que me senti muito inquieto pensando na extraordinária delicadeza e fragilidade da lua. É que a lua fabrica-se, habitualmente, em Hamburgo e é de péssima qualidade. Admira-me que a Inglaterra não preste atenção a este facto. O fabricante é um tanoeiro coxo, e vê-se logo que é um imbecil, não tem a mínima noção do que é a lua. Utilizou uma corda suja de alcatrão, e uns restos de azeite de lâmpada rançoso; por isso, é terrível o fedor por toda a terra; é obrigatório tapar o nariz. Daí que a própria lua seja uma bola tão frágil que as pessoas não podem viver nela, pelo que só lá moram narizes. É por esta mesma razão que não podemos ver os nossos próprios narizes, uma vez que estão todos na lua. (...)
in "Diário de um louco", Nikolai Gógol, 1834
o texto integral foi trabalhado numa oficina de teatro, coordenada pel'A Escola da Noite, com os alunos do primeiro ano de Estudos Artísticos.
in "Diário de um louco", Nikolai Gógol, 1834
o texto integral foi trabalhado numa oficina de teatro, coordenada pel'A Escola da Noite, com os alunos do primeiro ano de Estudos Artísticos.

13.5.10
Escrita mínima, a 13 de Maio
Os mangas de alpaca, desta repartição, ainda não recuperaram da revelação recente do derradeiro segredo.
Estamos em crise! Decretou o nosso Ministro, com toda a pompa e circunstância, em bloco central, para que não restem dúvidas. Em C-R-I-S-E, definitivamente e ninguém nos vai valer!... Até porque farrapos de nuvens vulcânicas nos separam dos céus... Talvez se as nossas preces forem em islandês...
Nada a fazer, aguardamos, com o muito pouco que nos resta, o miraculoso-plano-financeiro-estratégico-agressivo que possa salvar-nos da ruína anunciada.
Os mangas de alpaca, desta repartição, ainda não recuperaram da revelação recente do derradeiro segredo.
Estamos em crise! Decretou o nosso Ministro, com toda a pompa e circunstância, em bloco central, para que não restem dúvidas. Em C-R-I-S-E, definitivamente e ninguém nos vai valer!... Até porque farrapos de nuvens vulcânicas nos separam dos céus... Talvez se as nossas preces forem em islandês...
Nada a fazer, aguardamos, com o muito pouco que nos resta, o miraculoso-plano-financeiro-estratégico-agressivo que possa salvar-nos da ruína anunciada.
26.4.10
1JOSÉ
o último espectáculo da TRILOGIA sobre Rubem Fonseca teve como mote, na sua construção, o poema "José" de Carlos Drummond de Andrade.

A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama protesta,
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio - e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José !
José, pra onde?
o último espectáculo da TRILOGIA sobre Rubem Fonseca teve como mote, na sua construção, o poema "José" de Carlos Drummond de Andrade.

A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama protesta,
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio - e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José !
José, pra onde?
6.4.10
21.3.10
18.3.10
6.3.10
1.3.10
26.2.10
25.2.10

© António Barros|UC
[do monólogo, coisa pública] programação integrada na XII SEMANA CULTURAL DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA >>> MÚSICA Solo I e II | ANTÓNIO PINHO VARGAS 1 de Março | segunda | 21h30 | no Teatro Académico de Gil Vicente >>> TEATRO Vulcão | de Abel Neves | com CUSTÓDIA GALLEGO | 2 de Março | terça | 21h30 | Teatro da Cerca de São Bernardo >>> TEATRO Historias Tricolores ou de como aqueles animaliños proclamaron a república | CÁNDIDO PAZÓ | 3 de Março | quarta | 21h30 | Teatro da Cerca de São Bernardo >>> TEATRO Concerto à la carte | de Franz Xaver Kroetz | com ANA BUSTORFF |4 de Março | quinta | 21h30 | Teatro Académico de Gil Vicente >>> TEATRO Mary Stuart | DENISE STOKLOS | 5 de Março | sexta | 21h30 | Teatro Académico de Gil Vicente >>> TEATRO Calendário da Pedra DENISE STOKLOS | 6 de Março | sábado | 21h30 | Teatro da Cerca de São Bernardo
22.2.10
11.2.10
5.2.10
MARCINHA
[...] O que eu queria falar na nossa primeira reunião era sobre a minha compulsão por comer chocolate, não falei porque ficou sendo apenas o dia da nossa apresentação e eu disse que o meu nome era Marcinha, mas como está todo o mundo abrindo o coração, quer dizer, abrindo um pouco, quero começar dizendo que o meu nome não é Marcinha, esse é um pseudónimo e isso não chega a ser uma falsidade porque eu sempre quis me chamar Marcinha e vocês podem me chamar de Marcinha. Mas eu falava da minha loucura por chocolate. Como chocolate todo o dia e engordo todo o dia, e a coisa que eu mais gostava era ir à praia, e cada ano o Verão é mais forte, mas não tenho coragem, desisto, me sinto humilhada quando vejo meu corpo no espelho, com maiô inteiro que comprei e que nem mesmo as coroas usam mais.
[...] Não vou falar muito mais. Eu não desisto. Tenho sempre barras de chocolate na minha casa, um dia tranquei a despensa e joguei a chave fora, mas algumas horas depois arrombei a porta da despensa e devorei várias barras sem parar, o que acabou desarranjando os meus intestinos. Bem, eu disse que ia falar pouco e vou terminar. Outro dia eu estava em casa, de tarde, vendo televisão, e quando fui pegar um chocolate notei que havia acabado. Saí correndo desesperada para comprar chocolate no supermercado que fica perto da minha casa e quando já estava lá dentro, em frente a uma prateleira cheia de chocolates variados, percebi que não havia levado a bolsa e não tinha um tostão comigo. Me senti tão infeliz que comecei a chorar em frente à prateleira, eu não ia aguentar mais um minuto sem comer um pedaço de chocolate. Então coloquei uma barra pequena no meu seio, o peito grande serviu pelo menos para isso, e saí com a barra escondida e logo que cheguei na rua devorei o chocolate. Mas a minha vontade não passava e eu, e eu, o negócio é abrir o coração, não é?, e eu corri para outro supermercado e fiz a mesma coisa, apanhei duas barras e fugi com elas, e comi as duas na rua e depois fui na padaria e apanhei, agora três barras, escondi no peito e comi logo em seguida na rua. Acho que minha história é a pior de todas. [...]
excerto de "Agora Você",
in "Secreções, Excreções e Desatinos", 2001
RUBEM FONSECA
[...] O que eu queria falar na nossa primeira reunião era sobre a minha compulsão por comer chocolate, não falei porque ficou sendo apenas o dia da nossa apresentação e eu disse que o meu nome era Marcinha, mas como está todo o mundo abrindo o coração, quer dizer, abrindo um pouco, quero começar dizendo que o meu nome não é Marcinha, esse é um pseudónimo e isso não chega a ser uma falsidade porque eu sempre quis me chamar Marcinha e vocês podem me chamar de Marcinha. Mas eu falava da minha loucura por chocolate. Como chocolate todo o dia e engordo todo o dia, e a coisa que eu mais gostava era ir à praia, e cada ano o Verão é mais forte, mas não tenho coragem, desisto, me sinto humilhada quando vejo meu corpo no espelho, com maiô inteiro que comprei e que nem mesmo as coroas usam mais.
[...] Não vou falar muito mais. Eu não desisto. Tenho sempre barras de chocolate na minha casa, um dia tranquei a despensa e joguei a chave fora, mas algumas horas depois arrombei a porta da despensa e devorei várias barras sem parar, o que acabou desarranjando os meus intestinos. Bem, eu disse que ia falar pouco e vou terminar. Outro dia eu estava em casa, de tarde, vendo televisão, e quando fui pegar um chocolate notei que havia acabado. Saí correndo desesperada para comprar chocolate no supermercado que fica perto da minha casa e quando já estava lá dentro, em frente a uma prateleira cheia de chocolates variados, percebi que não havia levado a bolsa e não tinha um tostão comigo. Me senti tão infeliz que comecei a chorar em frente à prateleira, eu não ia aguentar mais um minuto sem comer um pedaço de chocolate. Então coloquei uma barra pequena no meu seio, o peito grande serviu pelo menos para isso, e saí com a barra escondida e logo que cheguei na rua devorei o chocolate. Mas a minha vontade não passava e eu, e eu, o negócio é abrir o coração, não é?, e eu corri para outro supermercado e fiz a mesma coisa, apanhei duas barras e fugi com elas, e comi as duas na rua e depois fui na padaria e apanhei, agora três barras, escondi no peito e comi logo em seguida na rua. Acho que minha história é a pior de todas. [...]
excerto de "Agora Você",
in "Secreções, Excreções e Desatinos", 2001
RUBEM FONSECA

4.2.10
3.2.10
2.2.10
29.1.10
20.1.10
19.1.10
18.1.10
7.12.09
27.10.09
Escrita mínima
O senhor X escreveu, com a sua caneta de aparo reluzente; caderno novo e vida nova.
A menina X viu aquilo e decidiu acrescentar um sorriso, desenhado a esferográfica verde fluorescente e reticências.
Os mangas de alpaca, incrédulos, aproveitando aquele momento de rara intuição e convergência de sinais positivos, decidiram trincheirar as paredes da repartição, exigindo o pagamento de um subsídio por esforço contínuo, o prémio, que havia sido congelado, de mérito intelectual acrescentado de fim de semana e o pagamento das elucubrações a desoras e reticências reticências reticências.
As revoluções podem bem acontecer, onde menos se espera.
O senhor X escreveu, com a sua caneta de aparo reluzente; caderno novo e vida nova.
A menina X viu aquilo e decidiu acrescentar um sorriso, desenhado a esferográfica verde fluorescente e reticências.
Os mangas de alpaca, incrédulos, aproveitando aquele momento de rara intuição e convergência de sinais positivos, decidiram trincheirar as paredes da repartição, exigindo o pagamento de um subsídio por esforço contínuo, o prémio, que havia sido congelado, de mérito intelectual acrescentado de fim de semana e o pagamento das elucubrações a desoras e reticências reticências reticências.
As revoluções podem bem acontecer, onde menos se espera.
14.10.09
Escrita mínima
O senhor X decretou uma espécie de pousio para si próprio e para os melancólicos mangas de alpaca da repartição. Talvez assim, quem sabe, possamos significar alguma coisa, mais tarde.
A menina X parece ser o caso de excepção; com a sua gabardine azul turquesa e os seus sapatos verde-choque, tem ar de florescer todos os dias.
O senhor X decretou uma espécie de pousio para si próprio e para os melancólicos mangas de alpaca da repartição. Talvez assim, quem sabe, possamos significar alguma coisa, mais tarde.
A menina X parece ser o caso de excepção; com a sua gabardine azul turquesa e os seus sapatos verde-choque, tem ar de florescer todos os dias.
1.10.09
30.9.09
29.9.09
Escrita mínima
O senhor X é um optimista e deixou-se inebriar pelo Sócrates "bonzinho" da campanha; pelo seu "arrependimento" na Cultura, o seu tom suave e cuidadoso, o seu humor...
Na noite de 27, lá estava o velho ministro a cantar a sua vitória "extraordinária", sublinhada no seu tom costumeiro, com a ajuda do seu dedinho, para o seu opositor Louçã, para que não restassem dúvidas.
Não obstante o tom agreste-crispado de Louçã, o senhor X pensa que será, certamente, dos poucos a conseguir rrrresponder-lhe, nestes anos que se avizinham... turbulentos, turbo/lentos(?).
O senhor X é um optimista e deixou-se inebriar pelo Sócrates "bonzinho" da campanha; pelo seu "arrependimento" na Cultura, o seu tom suave e cuidadoso, o seu humor...
Na noite de 27, lá estava o velho ministro a cantar a sua vitória "extraordinária", sublinhada no seu tom costumeiro, com a ajuda do seu dedinho, para o seu opositor Louçã, para que não restassem dúvidas.
Não obstante o tom agreste-crispado de Louçã, o senhor X pensa que será, certamente, dos poucos a conseguir rrrresponder-lhe, nestes anos que se avizinham... turbulentos, turbo/lentos(?).
15.9.09
25.8.09
16.8.09
12.8.09
28.7.09

Merce Cunningham (16 Abril 1919 - 26 Julho 2009), retratado por Annie Leibovitz, em 1997, e em "Changeling", fotografado por Richard Rutledge. Um bailarino e coreógrafo que revolucionou o discurso artístico, não apenas da dança.
Na impossibilidade técnica de colocar aqui "Beach Birds", com música de outro mestre, seu companheiro de estrada; John Cage, aconselhamos uma pesquisa internáutica pelo youtube, ou no sítio da Merce Cunningham Dance Company www.merce.org.
21.7.09
11.7.09
6.7.09
4.7.09
3.7.09
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