4.2.13

CLAUSEWITZ: Eu estava no palco quando os alemães cruzaram a fronteira do meu país. Como todas as noites. A companhia decidiu nem interromper a sessão. Mas no dia seguinte o teatro estava fechado. Fiquei em casa. Foi a primeira vez em dez anos que eu passei uma noite fora do palco. Tanta coisa tinha acontecido na Polónia, tanta coisa tinha acontecido na Europa! E eu, no palco, esse tempo todo. Por isso eu acho que foi uma espécie de alívio quando não tive que fazer minha maquiagem naquela noite. Acho... acho cheguei mesmo a pensar que, afinal, tinha chegado a hora de viver a vida. (Tempo) A vida... (Tempo) Os dias foram passando e eu não saí para a rua. Via tudo da janela. Eu não sabia o que fazer no meio daquela confusão. Eu era um actor! Não sabia carregar uma arma, não sabia curar uma ferida... O melhor era ficar em casa. Até ao dia em que foram me buscar. Não tive medo, não. Achei outra vez que, de alguma maneira, eu estava vivendo. Vivendo enquanto eu presenciava todo o horror. Porque era a única coisa que eu podia fazer: estar presente. E guardar na memória. (Tempo) Eu estava presente quando mataram professor Cracowiack. Eu estava presente quando encontraram o corpo do meu pai, que tinha se suicidado com um arame no pescoço. Eu estava presente quando meus amigos cairam metralhados na fuga pela fronteira. Eu estava presente quando deixei minha mulher no hospital de Paris, esperando para morrer. Eu não vivi. Eu colecionei lembranças.
O navio apita. Segismundo olha o relógio.

Novas diretrizes em tempos de paz, BOSCO BRASIL, (excerto)

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