[…] Julgo que há uma característica inescapável, o facto de sermos uma geração do pós-25 de Abril. Sermos filhos dos fazedores da revolução e termos nascido em democracia e liberdade. Algo que os nossos pais têm dificuldade em perceber — como é que nós não valorizamos isso? Claro que há aqui um problema cultural e de memória histórica, mas também temos de compreender a cabeça das pessoas que nasceram no pós-25 de Abril. Quando comecei a escrever sobre esta "décalage" entre pais e filhos, pensei: como é que posso abordar isto literariamente? A história da literatura e do teatro está cheia de conflitos entre pais e filhos […] Apetecia-me escrever uma peça entre pais e filhos do meu tempo e, à medida que fui abordando o tema, comecei a perceber que não tinha conflito com os meus pais, como tiveram outras gerações. O pai, por definição é o inimigo, o alvo a abater […] uma referência em conflito, aquela que temos de substituir. Julgo que já não temos isso. Temos um pai que é um exemplo, porque fez a democracia. […] Há uma espécie de orfandade na minha geração. Parece que temos de partir do nada. […]
[…] Há uma coisa que os actores do teatro Praga costumam dizer: "Nós só fazemos teatro porque os nossos pais têm dinheiro." Eu também só pude escrever e arriscar isto porque "tinha as costas quentes"… Esta casa não é minha, não fui eu que a comprei. Nesse aspecto, somos privilegiados, e portanto não posso acusar os meus pais. Nitidamente a classe artística da minha geração vive à custa dos pais. Ou então vai fazer telenovelas. […]
José Maria Vieira Mendes, excertos de entrevista, Notícias Magazine, 13/4/08
22.4.08
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